segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Como sobreviver a um pé partido

Este post não é sobre EB. Não é sobre como sobreviver a um pé partido quando se tem EB. É sobre como sobreviver a um pé partido quando se tem o pé partido... ponto. Partir o pé é uma coisa que pode acontecer a qualquer um, sobretudo quando nos envolvemos em patifarias... como umas corridinhas ao fim-de-semana. Não que tivesse partido o pé numa dessas corridas, aliás nem interessa muito como parti o pé. Em português, podemos dizer apenas "partiu-se", sem referir a ocasião, razão ou autoria. É das poucas línguas em que isto acontece.
No dia 4 de Julho, partiram-se  o segundo e terceiro metatarsos do meu pé esquerdo. As dores foram horríveis... mas até ter a confirmação do médico no dia seguinte, pensei que talvez fosse apenas um mau jeito. As semanas seguintes foram momentos de aprendizagem que decidi partilhar neste blogue... poderão servir a qualquer pessoa que parta o pé, como disse no inicio este post não é sobre EB.
Segue-se uma pequena lista de coisas que aprendi com este processo:

1. As pessoas vão dizer que o tempo vai passar depressa. É mentira. As horas vão arrastar-se, os dias vão parecer séculos, e as semanas... bem as semanas, parecerão longos anos. Nas primeiras duas semanas a única coisa que há a fazer é absolutamente nada: imobilização total. E isso faz com que de repente tenhamos muito tempo para estar com os nossos próprios pensamentos... e o tempo arrasta-se... arrasta-se entre as mudanças no gelo, a tomada de analgésicos e a elevação do pé...

2. Vai querer gesso. Ou uma tala. O médico das urgências vai tentar convencer-vos de que o gesso não é necessário... e talvez não seja, mas é muito mais fácil lembrar que temos de ficar imobilizados se a parte do nosso corpo a ser imobilizada, estiver de facto, imobilizada... Eu só aprendi isto depois de ter caído em cima do pé, pela segunda vez... Estava a tentar provar a mim mesma que conseguia "fazer coisas" e voltei a magoar o pé. Claro que o calor do verão não ajudou em nada enquanto tinha o gesso. O pé inchou de tal forma que só me apetecia cortar a perna... E depois do gesso sair é preciso alguma calma, porque os músculos da perna vão atrofiar...

3. Quem põe gesso tem de tomar injecções todos os dias, por causa das tromboses venosas. Trata-se de uma pequena injecção a ser auto-aplicada todos os dias na barriga, enquanto o pé está engessado.

Pé engessado, injecção diária, cadeira de rodas, após a retirada do gesso, na piscina.


4. As cadeiras de rodas são absolutamente necessárias para saídas (ao médico e às compras). Eu tive muletas logo a partir do primeiro dia, mas após duas tentativas de ir ao hospital e ao supermercado, decidi alugar uma cadeira de rodas. Este site tem cadeiras para alugar, de vários tipos, e são relativamente baratas. Também me ensinaram a melhorar a minha técnica de muletas, quando fui lá devolve-la depois de tirar o gesso. As cadeiras de rodas trazem-nos dois tipos de reacção: ou as pessoas nos ignoram e fingem que não nos vêm ou as pessoas nos olham como se fossemos uns mariquinhas por "apenas termos um gesso". Em qualquer dos casos, o melhor é ignorar qualquer uma dessas reacções, porque é muito libertador poder movimentar-se mais rapidamente nos longos corredores dos hospitais e supermercados. Ainda, o nosso colo pode transformar-se rapidamente num cesto de compras. A partir do momento que tive a cadeira de rodas, já consegui fazer mais coisas em casa, como lavar a roupa e passar a ferro, e deixei de ter tanta pena de mim própria. A maior aprendizagem desta experiência, talvez tenha sido a consciencialização de como a nossa sociedade trata mal os deficientes motores, e como há ainda muito a fazer no campo da acessibilidade.

5.Os analgésicos são bons mas quanto mais quantidade tomarmos, mais atrasamos o crescimento e a recuperação do osso. Uma boa alternativa é a suplementação com cálcio, vitamina D e magnésio.

6. As primeiras duas semanas são para repouso absoluto, como já disse, a vontade de fazer coisas levou-me a cair novamente sobre o pé partido... por isso, o melhor será encontrar uma boa posição e relaxar... Ter um plano para tomar banho, recipientes apropriados a transportar a comida de um lado para o outro (saltitar entre a cozinha, a sala e o quarto requer alguma destreza e imaginação), e roupas largas q.b. para nos conseguirmos vestir sem ficarmos com torcicolos...

7. Entre a segunda e a quarta semana, devemos treinar por o pê no chão com o apoio das muletas... vai doer. O objectivo é ir progressivamente colocando peso de forma a reabilitar o pé. Aqui foi bom ter acesso a uma piscina, muito embora ainda sentisse o pé frágil, pois ajudou a equilibrar a relativa sensação de loucura por falta de exercício.

8. Após a quarta semana, o melhor é ir treinando andar distâncias médias, mas sem ultrapassar os 10 minutos e depois ir aumentando progressivamente. Nem pensar em correr ou andar grandes distâncias, antes da oitava semana. O objectivo é evitar voltar a partir o pé.

E passadas oito semanas, retomei os treinos de corrida, com pequenas distâncias e muita calma, porque o corpo já não respondia como antes... e o pé... esse ainda se queixa...