Desde o inicio sabíamos que a caminhada ia ser longa... Bom, foi um pouco mais longa.
No inicio, não queríamos ver ninguém, falar com ninguém. As próprias pessoas se afastam um pouco quando presentem que aqui há problemas, mas a nós também não nos apetecia falar. Estas coisas tratam-se entre portas fechadas. A dois, a três ou a quatro porque deixamos de ter tempo ou paciência para as n+1 pessoas.
A aprendizagem dos tratamentos, as intermináveis horas nas salas de espera de hospitais podres de velhos, a terrível espera por exames e notícias e médicos e enfermeiras e associações, transformam-nos em pessoas um pouco menos pacientes, um pouco mais desesperadas, um pouco mais zangadas com o mundo, com a família, com a doença, com os médicos, connosco. Reclamamos, reclamamos e reclamamos... num mundo em que todos teimam por não nos ouvir.
Depois tentamos este ou aquele tratamento, este ou aquele penso, talvez se fizermos aquilo, ou isto ou... mas as coisas não mudam, os diagnósticos esmagam-nos, a vida planeada desvanece-se entre sorrisos hipócritas de seres que nunca deviam ter chegado a médicos, a alegria esmorece entre tratamentos aplicados por senhoras que dizem ser enfermeiras, o mundo deixa de existir e só existe o fundo que parece ser infinito...
Nesta fase a dor parece que nunca acaba e quanto mais afundamos, mais parece que não há luz. Devemos procurar ajuda nesta fase, segundo dizem. Enveredamos pelo mundo dos comprimidos, tentando atenuar a dor, mascarar os problemas com comprimidos felizes. Adormecer o monstro. Cada ferida a ser tratada é uma cicatriz no coração. Cada penso aplicado, uma facada no nosso peito, e a dor é tão grande que não conseguimos mexer-nos. É a etapa mais longa. Não sei se é mesmo, mas para nós foi.
Depois, uns meses mais tarde, talvez mesmo, uns anos mais tarde, damos por nós a sorrir. Somos um pouco mais fortes, as pessoas ao nosso lado parecem fracas, mais transparentes, menos relevantes. Fazem filmes quando nos falam da doença, ouviram isto, falaram aquilo, mas nós sabemos bem pelo que passamos e só nos tornou mais fortes. Há um dia em que damos por nós a sorrir, a olhar para os teus desenhos e a construir novamente um futuro. Um futuro diferente, mas ainda assim, um futuro em que és feliz, e nós também somos, e a doença passa para outra lente.
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